BREVE ANÁLISE DA REGULAMENTAÇÃO
DA TV À CABO NO MERCOSUL
Othon Jambeiro *
Sued Passos Silva
Juliana Braga
Marcus Vinicius Gonçalves
Introdução
O processo global de reestruturação do capitalismo provocou reorientação de grande amplitude nas estratégias industriais, com a consequente mobilização, em nível mundial e sob a influência do neoliberalismo, de novos recursos tecnológicos, entre os quais aqueles compreendidos pelos chamados serviços de comunicações.
No século XX, já no término da Segunda Guerra Mundial (1945) e, sobretudo com a queda do bloco soviético (1989), a globalização do capitalismo ganhou vulto. A adoção da economia de mercado, em detrimento da economia planificada, considerada pelos neoliberais como nociva ao desenvolvimento econômico, passou a ser praticada pela maior parte das nações, inclusive aquelas que faziam parte do ex-bloco socialista. Ocorre então uma crescente transformação qualitativa e quantitativa, no sentido de que o capitalismo se globalizou, se mundializou e foi capaz de influenciar todas as formas de organização da produção e do trabalho, assim como as questões sociais.
Em sua concepção mais ampla e simples, a globalização é um processo em que são aceleradas as relações de trocas econômicas e culturais entre os povos, em face das facilidades de comunicações e a prevalência, em escala global, do modo de organização econômica capitalista. Em razão do que organiza-se intensa e crescentemente a produção de bens materiais e simbólicos, empresas e economias, em escala planetária.
A globalização tem promovido, de maneira notável, a integração e interdependência dos países, especialmente através de operações financeiras nos mercados mundiais e da instantâneidade da circulação de informações de qualquer natureza. A receita comporta significativo relaxamento das barreiras alfandegárias entre os países, particularmente através de acordos bilaterais ou multilaterais, de interesse mútuo.
Associado à globalização, surge o fenômeno da macro-regionalização. Os processos de integração regional em andamento na Comunidade Econômica Européia, Nafta e Mercosul, entre outros, constituem-se em passos intermediários que podem consolidar, no futuro, uma economia mundial amplamente liberalizada. Em franco desenvolvimento, o Mercosul já apresenta resultados muito significativos naquela direção.
O Mercado Comum do Sul, Mercosul, previsto no Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, passou a funcionar em 31 de dezembro de 1994. Ele é composto por: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, denominados "Estados-Partes" do Mercado Comum. O Tratado não tem como objetivo a unificação política entre os países, pois os órgãos supranacionais por ele criados visam apenas à integração econômica. Além disso, só deliberam por unanimidade e as decisões têm de ser ratificadas pelos respectivos parlamentos nacionais.
O Mercosul funda-se na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados, e tem como finalidade promover não só uma zona de livre-comércio, mas também uma união aduaneira, ou seja, não só as mercadorias estão livres das barreiras alfandegárias, entre os países signatários, como também foi estabelecida uma política aduaneira representada fundamentalmente pela Tarifa Externa Comum (TEC). Entre outras providências, estão incluídas, também, "a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados, ou agrupamentos de Estados; a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; e a coordenação de políticas macroeconômicas" (CHACON: 1996, p.41).
Neste trabalho são analisadas as leis – específicas ou não – que regulam os serviços de TV à Cabo nos países do Mercosul. Da Argentina, foram analisadas as leis 22.285, de 1980 e 22. 696, de 1989, que regulamentam a Radiodifusão de maneira geral. Do Brasil tomou-se a Lei 8977, de 06.01.95, que regulou especificamente os serviços de TV a Cabo. Do Uruguai, os Decretos 14.670, de 1977, e 15.671, de 1984. Do Paraguai foram tomados o Decreto 9892, de 26.07.95, a Lei 642, de 29.12.95, e o Decreto 14135, de 15.07.96.
Para efeito deste texto inicial foram tomadas apenas as leis básicas de cada país, desprezando-se as normas complementares, que estão sendo analisados em outro estudo. Além disso, somente cinco das quase duas dezenas de aspectos abordados na legislação – segundo classificação feita no desenvolvimento da pesquisa - foram selecionados para este estudo preliminar. São eles: Definições, Conceituações, Critérios para Concessão, Critérios para Renovação de Concessão, e Controle Governamental da Concessão. Os dois primeiros mostram como o serviço de TV à cabo é conceituado e as definições técnicas que o suportam. Os demais formam um conjunto regulatório que expressam a maneira pela qual os respectivos órgãos reguladores vêem a prestação do serviço e as relações entre seus provedores, o Estado e a Sociedade.
Os resultados a que se chegou são expostos a seguir.
Análise descritiva
Brasil
Embora seja o maior mercado de telecomunicações no Mercosul, o Brasil foi o último dos quatro países a possuir TV a Cabo. Por este motivo tanto sua ordenação jurídica quanto a estrutura física que dá suporte àquele serviço são novas.
A legislação está montada nos princípios de: rede pública (garantia de acesso às redes físicas para qualquer interessado, de forma gratuita ou remunerada), rede única (todas as redes físicas devem ter a mesma conectividade), e coexistência entre redes estatais e privadas, com possibilidades de parceria na sua construção e utilização.
O serviço de TV à cabo é definido como não aberto à livre utilização pública, e consiste na distribuição de sinais de vídeo e/ou áudio à assinantes, mediante transporte por meio físico. Estes sinais compreendem os programas de vídeo e/ou áudio similares aos ofertados por emissoras de radiodifusão, bem como os de conteúdo especializado e os que atendam a interesses específicos (informações meteorológicas, bancárias, financeiras, culturais, etc.). Estão também aí incluidos serviços de aquisição de programas pagos individualmente, a interação necessária à escolha de programação e outras aplicações concernentes, cujas condições são definidas pelo Poder Executivo. Além disso, a lei traz uma detalhada definição dos termos técnicos que alimentam este tipo de serviço, como os componentes da parte técnica e outros termos pertinentes.
A finalidade do serviço de TVca é de promover a cultura, lazer, entretenimento e o desenvolvimento social e político do País. O Serviço deve obedecer aos preceitos da legislação de telecomunicações em vigor e aos regulamentos baixados pelo Poder Executivo. Seu crescimento deve ser norteado por uma política que desenvolva o potencial de integração ao Sistema Nacional de Telecomunicações, valorizando a participação do próprio Poder Executivo, do setor privado e da sociedade.
A regulamentação brasileira estabelece claramente a diferença entre a empresa operadora - responsável pelo transporte físico dos sinais – e a programadora – encarregada de produzir os programas para o público consumidor.
No Brasil, para obter a concessão de canal visando a prestação de serviços de TV a Cabo é necessário ser pessoa jurídica de direito privado sediada no País, que tenha como atividade principal a prestação deste serviço. Pelo menos 51% do capital social com direto a voto deve pertencer a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.
Não podem receber concessão de canal para serviço de TVca pessoas jurídicas que: já sendo titulares desse serviço não tenham iniciado a operação; encontrem-se inadimplentes com a fiscalização do Poder Executivo; tenham tido cassadas suas concessões há menos de cinco anos; possuam algum sócio/quotista que pertenceu aos quadros societários de empresas enquadradas nas condições acima previstas, ou tenham como sócio pessoa física que esteja gozando de imunidade parlamentar ou foro especial. As empresas que já eram titulares de tal serviço de concessão, na época da aprovação da lei, ficaram obrigadas a submeter-se ao novo processo de outorga, sob pena de não poderem candidatar-se a outras concessões.
Para a renovação, o Poder Executivo pode fazer, dentre outros procedimentos, uma consulta pública sobre a performance da operadora na comunidade em que está sediada. A legislação assegura à operadora do serviço a renovação do prazo da concessão por períodos sucessivos de quinze anos, sempre que esta: cumpra as condições estabelecidas; venha atendendo ao regulamento do Poder Executivo; concorde em atender às exigências técnicas e economicamente viáveis para satisfazer as necessidades da comunidade, inclusive no que se refere à modernização do sistema.
O governo controla todo o processo de concessão, outorgando o canal, determinando os parâmetros técnicos de qualidade e desempenho, além de controlar o processo de execução e exploração, e fiscalizando o serviço em todo o território nacional. Ele estabelece também os requisitos para a integração do serviço ao Sistema Nacional de Telecomunicações, solucionando as dúvidas que surgirem em decorrência da interpretação da lei.
O Poder Executivo ficou com a obrigação de promover o desenvolvimento do serviço de TVca em regime de livre concorrência, estabelecer diretrizes que estimulem a evolução da indústria cinematográfica nacional, e definir documentos e critérios que permitam a avaliação técnica e a seleção das propostas apresentadas.
O fato de o Brasil ter optado por uma lei específica evidencia sua divergência com os demais países do Mercosul sobre a regulamentação da prestação deste serviço. Como veremos em seguida, somente o Brasil fez esta opção. Os outros mantém o serviço de TV por assinatura como complementar aos serviços básicos de telecomunicações, aí incluidos os de radiodifusão.
Vale ressaltar na legislação brasileira a preocupação em regulamentar a participação do capital estrangeiro. Segundo a lei, pode haver parceria entre capital nacional e estrangeiro, mas os investidores brasileiros devem controlar, no mínimo, 51% do capital votante da empresa.
Argentina
Um dos primeiros países da América Latina a construir um sistema de TVca, a partir do começo da década de 60, a Argentina apresenta uma lei defasada e recheada de impasses devido a interesses inconciliáveis.
Os serviços de radiodifusão são considerados de interesse público, e compreendem as radiocomunicações, cujas emissões, sejam elas sonoras, de televisão ou de outro gênero, estão destinadas a recepção direta pelo público em geral. O mesmo acontece com os Serviços Complementares, sendo estes subdivididos em: subsidiário de freqüência modulada; antena comunitária; circuito fechado de audiofreqüência ou televisão; e outros de estrutura analógica cuja prestação se realize por meio físico ou radioelétrico. O serviço de TV a Cabo está incluído em Serviço Complementar e é compreendido como radiodifusão.
A finalidade dos serviços de radiodifusão é promover o enriquecimento cultural e a elevação moral da população. O conteúdo de suas emissões deve subordinar-se a um sentido ético e de conformação cívica, tendo como objetivos principais: a contribuição para o bem comum; o desenvolvimento da comunidade; o fortalecimento da fé nos destinos da Nação; o incentivo ao exercício do direito natural do homem de comunicar-se; e a valorização dos sentimentos de amizade e cooperação internacionais.
Os requisitos para obter a concessão dos serviços de radiodifusão são: ser argentino nato ou naturalizado com mais de 10 anos de residência no país; ser maior de idade; ter qualidade moral; idoneidade cultural; capacidade patrimonial comprovada; não ter vinculação jurídica, societária ou de qualquer espécie com empresas jornalísticas ou de radiodifusão estrangeiras; e não ser magistrado judicial, legislador, funcionário público civil ou militar.
As concessões têm um prazo de quinze anos, sendo que, no caso das estações de radiodifusão instaladas em área de fronteira ou de fomento, o prazo pode ir até 20 anos. Estes prazos podem ser prorrogados uma única vez, por dez anos, devendo o interessado efetuar o pedido com pelo menos 30 meses de antecipação do vencimento da licença. O Comitê Federal de Radiodifusão deve resolver dentro de quatro meses depois da formulação do pedido. Dezoito meses antes do vencimento do prazo originário da licença, ou de sua prorrogação, o Poder Executivo realizará uma concorrência pública para outorga de uma nova licença, para a qual aquele que estiver detendo no momento a concessão tem preferência, em igualdade de condições.
O Poder Executivo deve administrar as freqüências e controlar os serviços de radiodifusão, fazendo concessões para a prestação do serviço e estabelecendo restrições ao uso e oferta do mesmo.
O Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer) – órgão do Poder Executivo – habilita o serviço após avaliar o projeto, inspecionar as instalações e aprovar a nomeação dos diretores da concessionária. As agências de publicidade contatadas pela concessionária devem estar registradas no Comfer, que por sua vez, é encarregado de administrar os fundos provenientes dos impostos.
O Ministério da Cultura e Educação é responsável pelo cumprimento da finalidade educativa dos programas.
Não há limites de propriedade. No entanto, há uma disposição da legislação que restringe a concentração regional de um mesmo proprietário de emissoras de rádio e TV. Quanto ao conteúdo da programação, a legislação estabelece que os horários devem ser ocupados por transmissões com finalidades educativas e culturais, nas quais as produções argentinas tem preferência.
A TVca é considerada serviço suplementar, destinada a "satisfação das necessidades e interesses dos membros de uma ou mais comunidades". Nos anos 80 a Argentina apresentou um desenvolvimento quantitativo superior aos demais países da América Latina no que diz respeito a este serviço de telecomunicações. Com base nos registros feitos em 1993, o país contava com mais de 1.3 mil emissoras em circuito fechado atendendo a mais de três milhões de lares. Em 1999 já são mais de cinco milhões ( Pay-TV).
A regulamentação argentina é genérica e antiga, trazendo resquícios da época de sua promulgação, quando o país estava sob ditadura militar. No processo de democratização ela foi mutilada em vários aspectos, enquanto se aguardava a aprovação, pelo Congresso Nacional, de nova lei regulando os serviços de telecomunicações em geral. Houve impasse entre os deputados e senadores, daí resultando a paralisação do debate sobre os dois projetos principais apresentados. Tal paralisação vem se estendendo desde 1995.
Paraguai
O Paraguai formulou uma lei moderna e mostrou estar à frente dos seus co-irmãos, apresentando uma legislação abrangente e que acompanha o desenvolvimento no setor das Telecomunicações. Por se tratar de uma lei única, os serviços foram divididos em Difusão, Básicos e Outros. A execução destes serviços se faz por meio de licença, concessão e autorização, respectivamente.
As telecomunicações são classificadas como: serviços básicos (local; de longa distância nacional e internacional; difusão; e outros serviços), valor agregado, privados, radioamadorismo, radiodifusão de pequena cobertura e serviços reservados ao Estado. A TV à Cabo está incluída nos serviços de Difusão, que têm a finalidade de transmitir ou emitir mensagens e programas a vários pontos de recepção simultaneamente, e podem ser exploradas por pessoas físicas ou jurídica.
Para a exploração do serviço de TVca, é indispensável submeter à Comissão Nacional de Comunicações (Conatel), o projeto técnico de implantação do mesmo, que só depois de aprovado pelo referido órgão poderá ser posto em execução. A legislação paraguaia dá total e irrestrita abertura ao capital estrangeiro.
A Conatel, órgão que atua junto ao Poder Executivo na fiscalização e controle das telecomunicações, se pronuncia a respeito de cada pedido de renovação encaminhado. As licenças têm um prazo máximo de vinte anos, renováveis por 10 anos, uma única vez.
Uruguai
O decretos que regulam os distintos aspectos da radiodifusão no Uruguai definem-no como um serviço de radiocomunicação, cujas emissões sonoras, televisivas e similares estejam destinadas à recepção direta pelo público.
Os serviços de radiodifusão são considerados de interesse público e podem ser explorados por entidades governamentais e privadas, em regime de autorização e licença, com a respectiva determinação de freqüência. Não há maiores considerações sobre os serviços de TV à cabo.
Compete ao Poder Executivo aplicar as sanções previstas na lei, tais como: advertência; apercebimiento; multa equivalente ao valor de 30 a 300 unidades reajustáveis; suspensão ou fechamento da emissora pelo prazo de 24 horas, no mínimo, e 30 dias no máximo; e revogação da autorização. A aplicação dessas sanções varia de acordo com a gravidade da falta, a entidade do dano e os antecedentes da emissora responsável.
O Sistema Nacional de Televisión alcança quase todo o território uruguaio, mas não chega a ter uma programação competitiva. A televisão pública financia-se diretamente com publicidade, alugando seus horários a produtos privados. A maioria da programação apresentada é estrangeira, uma vez que a produção local não é suficiente para atender às necessidades do setor.
Os decretos reguladores uruguaios são pouco abrangentes e muitas vezes omissos.
Análise Comparativa
Definições
A lei brasileira é bastante específica, definindo claramente e com detalhes de especificações técnicas o serviço de TVca.
Na Argentina, esses serviços são generalizados, compreendendo de serviços de radiodifusão a serviços complementares. A regulamentação deixa margem para incluir o serviço de TVca, uma vez que tal serviço não é especificado pela lei.
No Paraguai define-se o serviço de TVca como de Difusão, o que na prática não o diferencia de Radiodifusão, a não ser pelos aspectos técnicos.
No Uruguai o serviço de radiodifusão equivale ao serviço de radiocomunicação, que tem suas emissões destinadas ao serviço público, aí estando também definido o serviço de TVca.
Como se pode observar, são relativamente insignificantes as diferenciações entre as definições de três dos quatros países. De fato, são maneiras diferentes de definir a mesma coisa, variando a abrangência do serviço: na Argentina a TV à cabo é serviço complementar apenas, enquanto no Uruguai e no Paraguai é constitutivo do serviço de difusão. Somente o Brasil, através de legislação específica, diferencia este serviço, dando-lhe uma singularidade regulatória que o torna diferente tanto da radiodifusão quanto dos demais serviços de telecomunicações.
Conceituações
A lei brasileira estabelece as finalidades para o serviço de TV a Cabo como tendo o intuito de promover cultura, lazer, entretenimento e o desenvolvimento social e político do país, obedecendo os preceitos da legislação de telecomunicações.
Apesar de não ser específica para o serviço de TVca, a lei argentina também enfatiza a finalidade cultural e a preocupação ética dos serviços de radiodifusão.
O Paraguai apenas menciona que as disposições que regulamentam as telecomunicações e suas distintas formas e modalidades devem assegurar a igualdade de oportunidades para o acesso ao aproveitamento do espectro eletromagnético.
E o Uruguai omite completamente de sua legislação qualquer conceituação dos serviços de TV.
De maneira geral, portanto, apenas Brasil e Argentina preocuparam-se em conceituar os serviços de TV a Cabo, ou radiodifusão, de tal modo que fiquem estabelecidas as balizas norteadoras de sua concessão e exploração. Em ambos os conceitos está presente a visão cultural. O Brasil conceitua de maneira mais nacionalista, usando expressões como "desenvolvimento social e político do país", "potencial de integração ao Sistema Nacional de Telecomunicações", "participação do poder executivo, do setor privado e da sociedade". A argentina, apesar de também expressar um sentimento nacionalista em sua conceituação – "fé nos destinos da nação" – utiliza valores mais universais e humanistas: "exercício do direito natural do homem de comunicar-se", "sentimentos de amizade e cooperação internacionais".
Critérios para concessão
No Brasil, a concessão para execução do serviço de TVca é dada exclusivamente a uma pessoa jurídica. Nos outros países tanto a pessoa física como a jurídica têm o direito de pleitear uma concessão.
Além disso, a legislação brasileira exige que a empresa: não tenha ganho concessão e deixado de operá-la; não esteja inadimplente com a fiscalização do governo; não tenha tido concessão cassada nos últimos 5 anos; não tenha sócio que esteja nas condições anteriores nem com imunidade ou foro especial. A empresa deve também ter como atividade principal a execução deste serviço; ser sediada no Brasil; e ter pelo menos 51% do capital social pertencentes a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.
Na Argentina, a lei também exige que a pessoa física seja argentino nato ou naturalizado e não tenha imunidade ou foro especial, mas acrescenta a isto a obrigatoriedade de ser residente no país há mais de 10 anos. Tanto a pessoa física quanto a jurídica são proibidas de ter vinculação com empresas jornalísticas ou de radiodifusão estrangeiras. O Comitê Federal de Radiodifusão da Argentina pode permitir até quatro concessões a uma mesma pessoa física ou jurídica.
No Paraguai, os candidatos devem apresentar projetos de instalação e regulamentos técnicos e de serviço. A Comissão Nacional de Telecomunicações estabelece o número máximo de licenças, por pessoa, em cinco.
No Uruguai, a lei estabelece que entidades oficiais e privadas poderão explorar o serviço de radiodifusão, sendo que as pessoas físicas devem ser natas ou naturalizadas e residir no país, preferencialmente onde o serviço é prestado. O candidato deve entregar declaração de fé democrática e aceitação da forma democrática de governo estabelecida na Constituição. Quando se tratar de pessoa jurídica, os sócios devem ter as mesmas qualidades.
Ao contrário de Brasil, Argentina e Uruguai, onde para obter-se a concessão faz-se necessário ser nato ou naturalizado, no Paraguai isto não é exigido. Além disso, nos dois primeiros exige-se que o candidato não tenha direito a foro especial – caso dos militares, juizes e parlamentares nos dois países.
Critérios para Renovação de Concessão
No Brasil, a renovação da concessão é assegurada à operadora desde que esta tenha: cumprido satisfatoriamente todas as condições e respeitado a regulamentação do Poder Executivo. Além disso, deve concordar em atender às exigências técnicas e econômicas para satisfação da comunidade. O procedimento para renovação da concessão é regulamentado pelo Poder Executivo, que pode incluir no processo uma consulta pública à comunidade do local onde a concessionária tem sua sede.
Na Argentina, a renovação é feita através de concorrência pública realizada dezoito meses antes do vencimento da concessão, dando preferência à concessionária atual. Caso esta queira uma prorrogação do prazo de concessão, deve enviar o pedido com pelo menos trinta meses de antecedência ao Comitê Federal de Radiodifusão. Este, por sua vez, somente aceita o pedido caso a concessionária tenha cumprido satisfatoriamente todas as obrigações a ela atribuidas.
No Paraguai, a licença é renovável por mais 10 anos, uma única vez, com o Conatel se pronunciando sob o pedido de renovação.
Na legislação uruguaia não há qualquer menção ao assunto, devendo-se concluir, portanto, que em princípio as concessões podem ser renovadas indefinidamente, a critério do Poder Executivo.
Nos três primeiros países o princípio básico para a renovação da concessão é a observância da lei. A diferença fundamental é que a Argentina, ao contrário do Brasil e Paraguai, faz a renovação, não mediante pedido da concessionária, e sim através de concorrência pública.
Controle Governamental da Concessão
O controle governamental dos serviços de TVca nos países do Mercosul se dá de diversas maneiras, de acordo com a legislação de cada país.
No Brasil, o Poder Executivo é quem outorga a concessão e a renovação do serviço, determina seus parâmetros técnicos, e fiscaliza a prestação do serviço em todo o território nacional. Além disso, é ele quem dirime, em primeira instância, as dúvidas e conflitos no que se refere à interpretação da lei; coíbe o abuso de poder econômico e define as áreas geográficas onde o serviço será prestado.
A legislação argentina dá ao Poder Executivo, através do Confer, o poder de administrar as frequências, orientar, promover e controlar os serviços, fazer as concessões para a prestação do serviço, e estabelecer restrições ao seu uso e oferta. Os Ministérios da Cultura e Educação são legalmente responsáveis pelo cumprimento da finalidade educativa dos programas.
No Paraguai, o Poder Executivo, por intermédio da Conatel e do Conselho de Radiodifusão, é encarregado da regulação administrativa e técnica, assim como a planificação, programação, controle, fiscalização e verificação do serviço, conforme a política governamental para o setor.
A legislação uruguaia dá ao Poder Executivo o poder de aplicar todas as sanções previstas na lei, que incluem a revogação da outorga. Cabe a ele também o controle no cumprimento das normas regentes, a administração, a defesa e o controle do espectro eletromagnético e a supervisão técnica das emissões em qualquer modalidade.
Em todos os países envolvidos o Poder Executivo é responsável pela aplicação da lei e pelo controle do serviço, a fim de que sejam observadas suas regulamentações. O que se observa, pois, é a ausência de órgãos reguladores independentes do governo, que exerçam, em nome da sociedade e do Estado, o controle sobre as concessões. Argentina e Paraguai possuem agências desta natureza, mas não são independentes, já que dependem do governo para sobreviver e é a este que cabe designar seus componentes. No Brasil, excetuada a administração do espectro eletromagnético, que está sob controle da Anatel, tudo o mais que se refira à TVca é subordinado ao Ministério das Comunicações
Considerações Finais
A definição do serviço de TV a cabo como sendo de interesse público representa um dos principais pontos em comum aos quatros países. Mas somente Argentina e Brasil afirmam o serviço de TVca como visando o desenvolvimento sócio-econômico e cultural do país, com maior ênfase no regulamento do país platino.
À exceção do Brasil, o serviço de TVca é parte constituinte do regulamento dos serviços de radiodifusão, mas as definições de caráter técnico constam apenas das regulamentações do Brasil e Paraguai. Provavelmente em função do fenômeno da globalização da economia e do vertiginoso desenvolvimento científico e tecnológico, a regulamentação paraguaia define e normatiza a parte técnica de forma adequada à incorporação fácil de novas tecnologias.
Os requisitos necessários para pleitear a concessão convergem quando se trata da capacidade financeira necessária à instalação e operação do serviço. Brasil e Paraguai vão além, exigindo que o interessado submeta o projeto operacional à análise dos órgãos responsáveis.
No processo de renovação da concessão, Brasil e Paraguai analisam o desempenho da operadora antes de dar o parecer final ao pedido do concessionário. No caso do Brasil, a regulamentação prevê inclusive consulta pública prévia à decisão de renovar-se ou não a concessão. Estes procedimentos evidenciam, sobretudo, uma preocupação com a qualidade do serviço prestado. A Argentina apresenta a hipótese de uma prorrogação da concessão, o que não garante sua renovação.
Com o Poder Executivo dos quatro países tendo o controle do serviço, fica possível o uso do poder de concessão de forma proveitosa aos interesses do governo ou seus aliados. No momento em que, na Argentina, um choque de interesses paralisou as discussões em torno de uma nova regulamentação, o governo se viu numa situação confortável de completa autonomia, com total liberdade para modificar a legislação vigente, do modo mais conveniente possível. A legislação brasileira, que prevê a criação do Conselho de Comunicação Social, integrado por representantes da sociedade, também foi, neste ponto, mutilada. De modo geral, nos quatro países há pouca participação da sociedade civil nas decisões e resoluções sobre a questão.
Brasil e Paraguai construíram nos anos 90 legislações de telecomunicações adequadas aos novos tempos de convergência tecnológica e globalização da economia. No que se refere à TV à cabo, contudo, os dois países seguiram caminhos divergentes. O Brasil preferiu elaborar uma lei específica, diferenciada da legislação geral das telecomunicações e do regulamento da radiodifusão. O Paraguai aprovou uma lei única, abrangendo todos os serviços de telecomunicações, aí incluídos também a radiodifusão e a TV à cabo. A opção brasileira é hoje questionada, e já há movimentos no sentido de integrar, através de nova lei, os serviços de radiodifusão e TV à Cabo à regulamentação geral das telecomunicações, e, consequentemente, submetê-los ao mesmo órgão regulador, a Anatel.
Na Argentina e no Uruguai houve paralisações do processo de re-regulamentação dos serviços de telecomunicações. Os argentinos continuam esperando que se modifique a correlação de forças políticas e econômicas representadas no Congresso Nacional para que seja possível escolher uma das duas leis em discussão. A letargia do processo de re-regulamentação do setor no Uruguai não permite prever alterações na legislação em vigor desde 1992.
Como a principal meta do Mercosul é a integração econômica, sua viabilidade depende essencialmente de uma política comercial pactuada. No campo das telecomunicações, que cresce rapidamente a cada dia, as divergentes regulamentações complicam o processo de desenvolvimento do setor, dificultando o intercâmbio entre os Estados-Partes, prejudicando, consequentemente, o crescimento do bloco como um todo, no que se refere aos serviços de TVca.
Referências Bibliográficas